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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Miragens

Nada se constrói
com o latejar das contas
de um rosário antigo
esquecido
nas pontas dos dedos

Um só dedo
é recluso do passado
anula o presente
e acusa o futuro
de ter transbordado
borda fora

Descrentes são as pedras
que sustentam um altar
erigido no tempo


Dakini 2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Pasmo meu


Pasmo meu
por sentir os corpos
que se remedeiam 
uns e outros
são à luz de outras vidas
a procura de um nome
no meio de tantos 
os sobreviventes

Este cumular 
de sons dispersos 
nascidos e criados 
no centro da terra
levam-me a acreditar 
que há vida para além 
deste mar

Dakini "Mulheres de Areia" 2010

Lá fora

Enquanto as árvores crescem, mirramos por entre as suas folhas. Dizem que a fome é negra, mas certas fomes morrem de espanto sem nunca conhecerem o verdadeiro sentir-se mirrar aos poucos. Há poucos dias apenas para mostrar do que somos capazes numa vida, mas ela é uma aposta na nossa capacidade de nos revermos em muitos e ocasionais desaires da vida. 
Vive-se revive-se por entre as fragas soltas que nos empurram para um poço sem fundo. Nesse poço esbracejamos os braços numa procura vã de sermos mais além, mas o fundo é negro e os nossos olhos agora fechados esbarram contra os muros que ladeiam o nosso corpo. E, ele não sente, nem consegue abrir-se para um todo existente lá fora. O além está mesmo ali tão perto.
Lá fora corre agora uma brisa ressequida, tal como são os nossos gestos quebrados. Alucinados, tresloucados arrasados pelo nosso próprio sentido desorientador, caímos e não nos sentimos a cair nas armadilhas ali há tanto tempo. Gastamos energias positivas, canalizamos as negativas e levamo-las a trair o nosso próprio medo por não conseguirmos ser o que a vaidade que reveste o nosso ego, quer que sejamos. 
Tristes medos e afloramentos que se esvaem por entre os nossos olhos. Então, pegamos numa folha de papel em branco e sufocamo-la como quem sufoca a sua própria sombra já mais que remendada. São remendos já cansados de tanta miudeza a cair no ridículo, que até a própria inveja se desfaz em pó. Aí pegámos nela sabendo que se trata de um mal que corrói os nossos sentidos e lançamo-la aos quatros ventos para que ela própria aponte o dedo a quem passa desprevenido.
Estar alerta nem sempre é possível, mas é possível e sem delicadezas de forma alguma, tentar abafar com o pó do caminho tanta mesquinhez para se sobreviver neste mundo tão cheio de mentes insanas.

Dakini 2014

Princípio de um Vazio

No principado
morava um Príncipe
tinha já marcado o tempo
e sem Norte
foi indo até ao ponto
mais alto do Sul

Sem o encontro habitual
dos dias claros
faz deles noite cerrada

Ajoelhado, entoava
cânticos abissais
encolerizado, suplicava
por novos tempos

No princípio
tudo era um nada absoluto
tudo era um ponto
onde nascia um novo ponto

Mas por ora
tudo é movimento
intersecção
escoriação
escuridão…
até que do princípio
exploda o vazio
lacrimejante
no rosto marcado
por um único ponto
onde nasce
a verdadeira exclamação

Onde se encontram
os rostos inexpressivos
com marcas até de um nada
prestes a iniciar-se?

Num jardim abandonado
está agora mais próximo
de ser amanhã

Na rua sem nome, encontrou
alguém que lhe disse onde era
o princípio de tudo

Dakini 2014

Lágrima


Gente


Verso




O além é o fim 
para quem nasce
e não se reconhece
no verso
um verso
o limite que define 
a contínua expressão
da linguagem 
de um poema
sem voz

Ouvem-se vozes roucas
de poetas 
mascarados 
de mares e céus 
de terra e fogo 
de gente que canta 
alegremente
e somente
em desvario se contrai
nos baixios de um rio

Alongam-se linhas
sobrepostas
à sua própria voz

Desfilam agora
todos os momentos
que deram voz
à ordem estabelecida
de um poema
afogado em prantos nus

Tu, meu verso inteiro
quanto de solidão
te firma poesia nascida
e criada nas vésperas
de uma noite em que foste 
terra, ar, água e fogo ?

Sopro

Segurei a tua mão
ensinei-te a caminhar 
descalço no meu jardim

Fui corrente demorada
no teu corpo. Alma em ti

E tu, não sabes
das manhãs claras
que são vida e sopro 
em mim

Dakini 2014

Porque

Porque a amizade é instantaneamente, muitas das vezes, um trato entre as partes comuns, envolvidas nesse mimetismo egocêntrico a coalhar os grossos modos abandonados no regaço.

Dakini

CD-Rom

As pessoas estão cada vez mais robotizadas, como se lhes tivessem introduzido um cd-rom na cabeça. 
Lamentavelmente caminhamos em direcção ao caos, desenraizados, desumanizados, empobrecidos.
Dakini

Ó Vida

Caímos e não sentimos o tamanho da queda tal a força imaginária que povoa os nossos sentidos desorientados.
Orientam-se as massas e levedámo-las para que sustentem este querer desmedido, este querer ser maior e mais alto a tocar a última estrela viva do Universo. Este querer ser mais além, um além distante, muito distante 
do lugar onde a vida espera por nós.
Ó vida!

Dakini

UM

Todos juntos somos Um, mas o "UM" é tão pequeno para muitos que preferem dividir-se em fragmentos esquecidos no Universo.



Dakini