A partitura serenou o espírito
de quem se encontrou
com a verdade
mas a mentira cobriu-a
fez-lhe um filho sem idade
(As mentiras fazem-lhe agora tremer os olhos)
Ouviam-se sons que chegavam
de um lugar secreto. As bocas engoliam
notas soltas
à solta pelas nuas encostas
onde já nem as pedras choram
e nem os animais se tocam
A humanidade parece-se
com uma maçã podre
dentro de uma cesta de vime
que faz da cesta de vime, esteira
como se a morte
fosse só uma mão aberta
para a fome
Têm os infelizes todas as letras
para formarem novos nomes
as pautas abertas
os saxofones prontos
os saxofones prontos
e sopram para dentro deles
como se fossem pães
acabados de sair do forno
São todos eles
uma chusma com ganga
no pescoço
comandita a querer pisar o morro
que desmiolado se vai definhando
e até se acabar
chora a dor de não poder sair
e evaporar-se para outro lugar
Cantam às almas lá para os lados
onde morreram todos os lobos
que, famintos desceram a encosta
a espumarem pela boca
Todos se encolheram
até que chegasse a primavera
e lhes desse mais um pouco
de chão para cobrir
tal como os bois
cobrem as vacas
e os carneiros, as ovelhas
e os homens, as mulheres
e os galos, as galinhas
A cacarejar de asas ao vento
lá vão elas até que a fome as leve
como quem leva um coelho
pelo cangote sem pelo
São os ventos e as brisas
e as flores que nasceram já
em todas as árvores
São os filhos das partituras
que pediram para nascer
nos caminhos
onde há bosta para pisar
ou até para rasurar alguma
obra de arte
que irá nascer ainda
de verdade
Dakini "Eventos"- Maio 13
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