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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Onde o cheiro se faz morte

A partitura serenou o espírito 
de quem se encontrou 
com a verdade
mas a mentira cobriu-a
fez-lhe um filho sem idade

(As mentiras fazem-lhe agora tremer os olhos)

Ouviam-se sons que chegavam 
de um lugar secreto. As bocas engoliam 
notas soltas
à solta pelas nuas encostas
onde já nem as pedras choram
e nem os animais se tocam

A humanidade parece-se 
com uma maçã podre
dentro de uma cesta de vime
que faz da cesta de vime, esteira
como se a morte 
fosse só uma mão aberta 
para a fome

Têm os infelizes todas as letras 
para formarem novos nomes
as pautas abertas
os saxofones prontos
e sopram para dentro deles
como se fossem pães 
acabados de sair do forno

São todos eles
uma chusma com ganga
no pescoço
comandita a querer pisar o morro 
que desmiolado se vai definhando
e até se acabar
chora a dor de não poder sair 
e evaporar-se para outro lugar

Cantam às almas lá para os lados 
onde morreram todos os lobos
que, famintos desceram a encosta
a espumarem pela boca

Todos se encolheram 
até que chegasse a primavera 
e lhes desse mais um pouco 
de chão para cobrir
tal como os bois 
cobrem as vacas
e os carneiros, as ovelhas
e os homens, as mulheres
e os galos, as galinhas

A cacarejar de asas ao vento
lá vão elas até que a fome as leve 
como quem leva um coelho 
pelo cangote sem pelo

São os ventos e as brisas
e as flores que nasceram já
em todas as árvores

São os filhos das partituras
que pediram para nascer
nos caminhos
onde há bosta para pisar
ou até para rasurar alguma 
obra de arte
que irá nascer ainda
de verdade

Dakini "Eventos"- Maio 13

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